
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do tal sorvete. Uma só.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete e ir pra casa, com direito a repetir quantas vezes quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil'). Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta e a conta no fim do mês, claro!
E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar’, dai a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão. É, isso mesmo.
Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado”.
Deixar de lado o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.
Um dia...
Mas não agora.
Por isso, eu peço ao garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete!
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.